Como seremos daqui a milhares de anos?ANALISE

São meras hipóteses e o mais certo é nenhum de nós estar cá no futuro para ver in loco se alguma destas hipóteses se confirma. Mas isto não nos impede de tentar adivinhar. Faça connosco esta viagem sobre como poderemos ser num futuro muito distante.
Passaram pouco mais de 150 anos desde que Charles Darwin publicou a sua polémica obra "A Origem das Espécies", livro basilar no estudo da evolução humana. Ridicularizado por muitos dos seus contemporâneos, a verdade é que a ciência tem dado razão à ideia geral que Darwin apresentou.

Hoje sabemos mais sobre os nossos antepassados, através da recolha e do estudo dos mais diversos fósseis. Talvez por isso já não nos pareça tão chocante a imagem acima, que ilustra este artigo. Os olhos gigantescos são a primeira coisa que salta à vista no trabalho desenvolvido pelo investigador e designer Nickolay Lamm, com o apoio do técnico computacional Alan Kwan.

Lamm imaginou como seremos daqui a cem mil anos, partindo do pressuposto que até ao ano 102013 a tecnologia humana continuará a desenvolver-se de forma consistente e o ser humano não provocará a sua própria extinção. Vemos a foto e dificilmente nos reconhecemos naqueles olhos gigantescos. Mas se algum australopiteco ou um dos seus sucedâneos andasse hoje entre nós, certamente também estranharíamos aqueles crânios e maxilares. Convém, por isso, manter uma mente aberta. E foi precisamente com esse espírito que o MSN Saúde e Bem-estar contactou por e-mail o próprio Lamm, para que nos esclarecesse um pouco sobre o possível aspecto dos nossos descendentes.

Lamm respondeu. Mas antes de seguirmos viagem rumo ao futuro, é importante recordar um pouco de como chegámos até aqui.

Como é que isto acontece?

A seleção natural das espécies é processo pelo qual os organismos mudam ao longo do tempo, adaptando-se ao ambiente envolvente e transmitindo as características genéticas às gerações seguintes. É uma forma de a natureza nos dizer que só os mais fortes sobrevivem, no sentido em que estes são não só os que têm maior capacidade de sobrevivência no presente, mas também a longo prazo (já que são os que mantém as condições de se reproduzirem, levando as suas características genéticas às gerações seguintes).

O que Darwin observou nas ilhas Galápagos ainda no século XIX foi que as espécies ali existentes, por se encontrarem isoladas das restantes e desenvolverem-se naquele ambiente específico, ganharam características próprias.

Quando pensamos em larga escala, reconhecemos a evolução que houve desde o tempo em que os primeiros primatas desceram das árvores para se tornarem bípedes, e caminharam até se tornarem os homo sapiens que hoje em dia conhecemos. Tendo em conta o desenvolvimento tecnológico e científico dos dois últimos séculos, há por vezes a tentação de julgarmos que hoje em dia já escapamos a este processo evolutivo. Mas a descoberta de como produzir fogo, a invenção da roda e de utensílios para a caça permitiram ao homem subir na cadeia alimentar – mudando também a sua relação com o mundo envolvente. Mas será que hoje em dia a evolução ainda se verifica? A resposta é sim. Ainda que nem sempre seja visível.

Em 2005, um grupo de investigadores da Universidade de Cornell, em Nova Iorque, analisou 11.624 genes, comparando genes de 39 seres humanos, com o de um chimpanzé – recorde-se que partilhamos 99 por cento dos nossos genes com os nossos "primos" chimpanzés. E chegaram à conclusão de que nestes últimos 5 milhões de anos se verificaram mudanças no ser humano ao nível de funções imunológicas do organismo, de produção de óvulos e espermatozoides, mas também da perceção sensorial, tudo elementos do nosso organismo que foram influenciados ao longo deste período devido à seleção natural. Mas mesmo hoje em dia temos mudanças curiosas a decorrer.
Tomemos como exemplo os dentes do siso: hoje em dia já não nos surpreende que os dentes do siso estejam a começar a desaparecer. Na verdade, estima-se que 35 por cento das pessoas que nascem hoje em dia virá a envelhecer sem dentes do siso. Muitas outras nascem com apenas um, dois ou três e não os quatro que em tempos era suposto termos. Embora isto seja um processo que demore, o que se verifica com a evolução é até bastante simples: quando uma característica não é mais necessária, a evolução tende a favorecer a eliminação dessa característica. É como se fosse uma forma de evitar um gasto de energia desnecessária. Portanto a primeira "aposta" é a seguinte: os seres humanos do futuro não terão de passar pelo sempre doloroso processo de arrancar um dente do siso. Eventualmente deixarão de nascer dentes do siso.

O nosso futuro rosto

Voltemos agora ao trabalho de Lamm. Há algumas centenas de milhares de anos, as nossas espécies ancestrais experienciaram uma triplicação do tamanho do cérebro. Os cientistas acreditam que o clima instável exerceu uma forte pressão sobre elas e a sua capacidade de adaptação. O resultado morfológico disto é visível hoje em dia: os nossos crânios são diferentes de os de então. Com mais cem mil anos em cima, é de prever que novas mutações morfológicas se notem, refletindo as nossas futuras necessidades.

O trabalho de Lamm e Kwan reflete a forma como será o nosso rosto no futuro, adequado aos futuros padrões de beleza, com olhos maiores e mais brilhantes, devido a uma necessidade de maior proteção contra os raios solares. Os narizes serão mais retos e o padrão de rosto cada vez mais simétrico. A visão será também mais apta para ver no escuro. A previsão é que a cabeça humana aumente também de tamanho para acomodar um cérebro também ele maior.

Lamm reconhece que estas imagens "são tão diferentes de como nos olhamos atualmente que é difícil imaginar alguém assim, mesmo que seja só daqui a 100 mil anos. No entanto, as ilustrações foram baseadas em hipóteses fundamentadas e é apenas uma interpretação de como podemos parecer no futuro", diz-nos.

Lamm e Kwan preveem também que, ao longo das próximas décadas, a colonização espacial já se tenha consolidado, exigindo novas adaptações do corpo humano. Se pensarmos no que aconteceu aos neandertais, que desapareceram à medida que nós, oshomo sapiens, prosperámos, não estranharemos que outras espécies possam surgir. Aproveitámos para questionar Lamm se estes seres humanos a viver em colónias noutros planetas poderiam tornar-se muito diferentes dos seres humanos na Terra. O investigador acredita que há possibilidade de tal acontecer. "Se os seres humanos viverem noutro planeta com um novo conjunto de condições, pode-se formar uma nova espécie", reconhece.

Mas o trabalho de Lamm alerta ainda para a possibilidade de daqui a 100 mil anos já podermos ser também capazes de controlar, com recurso à tecnologia, a nossa própriagenética. Num cenário hipotético, os pais poderiam escolher a cor dos olhos, cabelo, pele e até o nível de inteligência do filho – algo que mesmo hoje em dia já não é história de ficção científica. O que quer dizer que há a possibilidade de no futuro toda a getne se parecer com uma versão futura do famoso casal Brad Pitt e Angelina Jolie?

"Há uma chance de isso acontecer", reconhece o investigador. "As pessoas que puderem pagar, podem um dia ser capaz de da dar aos futuros filhos características desejáveis, como uma boa aparência, uma longa vida e inteligência". O risco de tal ser acessível apenas a uma parte da população, que se reproduziria entre si, poderia até criar uma nova casta na sociedade. Esta perspetiva de uma classe social definida geneticamente é tão orwelliana quanto assustadora. Mas há mais hipóteses de mudanças hipotéticas pela frente.
Hoje em dia, por exemplo, a nossa visão concentra-se cada vez mais nos objetos ao perto. Já não temos a necessidade de ver bem ao longe, como quando caçávamos, porque as nossas atenções (e necessidades de sobrevivência) podem focar-se em vez disso num simples ecrã de computador. Com tempo, talvez acabemos também a ver melhor ao perto mas pior ao longe.

Outras hipóteses focam-se no nosso desenvolvimento tecnológico e científico, em particular no campo da medicina. Os últimos 150 anos refletem um aumento exponencial da esperança média de vida. O envelhecimento, no entanto, é um fator de risco de um número extenso de problemas de saúde. Com a ajuda da ciência, talvez num futuro distante o ser humano seja capaz de manter um corpo mais jovem e saudável por muito mais tempo. Podemos também vir a ser mais resistentes a doenças que hoje em dia nos assolam, como a diabetes ou as doenças cardiovasculares. Por outro lado, também podemos ser mais sensíveis a outros agentes patogénicos. Mas há mais possibilidades curiosas a serem debatidas.

Como já mencionado, a evolução tende a favorecer a eliminação de características que não são mais necessárias. Um traço que se perfila como candidato a poder ser diminuído é a nossa força física. Os seres humanos já não necessitam de músculos robustos como noutros tempos. As máquinas e ferramentas que temos criado para as mais diversas tarefas físicas apontam nesse sentido. De facto, alguns estudos já demonstraram que hoje em dia temos menos força física em comparação com os nossos antepassados distantes, apesar de os últimos 150 anos também terem sido sinónimo de um aumento médio da altura.

Os seres humanos também já se distinguem dos primatas por termos menos pelos. Em tom de brincadeira, somos macacos sem pelo. Claro que ainda possuímos cabelos e pelos mas não é menos verdade que temos muito menos do que outros primatas e os nossos próprios antepassados. Já Darwin referia no seu trabalho que os pelos do corpo poderem ser uma característica vestigial e, como tal, com tendência a desaparecer. Se pensarmos no vestuário, no uso do fogo e de tecnologia mais recente, como por exemplo o ar condicionado, percebemos também porque é que já não temos necessidade de pelos como tinham os nossos antepassados.

O passado e o futuro

Desde há 500 anos – e com o notório contributo dos Descobrimentos portugueses – que o mundo se tornou mais pequeno. Isto metaforicamente falando, claro. O planeta é mais ou menos o mesmo mas as distâncias entre as pessoas diminuíram. À medida que os diferentes níveis de isolamento iam sendo quebrados, houve também processos de miscigenação. No caso dos Descobrimentos portugueses, o facto de sermos um país pequeno obrigou a que a estratégia de colonização por vezes não fosse bélica. Ao invés criavam-se raízes, fomentando-se a procriação do colonizador com as populações indígenas. Hoje em dia sabemos que o mundo é cada vez mais a tal "aldeia global" de que Marshall Macluhan falava. Talvez no futuro as diferenças entre raças continuem a esbater-se.

Com o tempo e as condições necessárias, a seleção natural trouxe mudanças capazes de transformar dinossauros em pássaros, mamíferos anfíbios em baleias e até macacos em humanos. O ser humano que conhecemos hoje em dia pode perfeitamente continuar a mudar nos próximos milhares de anos, ainda que algumas dessas mudanças possam acontecer a um nível que não seja visível a olho nu. Não vamos cá estar nós para descobrir. Mas pode ser que o ser humano seja capaz de continuar a evoluir de uma forma positiva. E que não estranhem demasiado quando virem imagens de como eram estes bizarros crânios e minúsculos olhos que hoje em dia achamos normais.


Fontes:
- Nickolay Lamm, investigador
- Faces of Future, de Alan Kwan
What We May Look Like in 100,000 Yearsin Nickolay Lamm.com
Proxima
« Anterior
Anterior
Proxima »
Obrigado pelo seu comentário